Fiz o teste de DNA e deu negativo. E agora? Posso receber de volta tudo que paguei de pensão alimentícia?

Antes de se falar em repetição de alimentos (devolução) pagos a título de pensão alimentícia há de se falar primeiramente em PATERNIDADE SÓCIO AFETIVA. A paternidade biológica é apenas uma das faces da paternidade latu sensu motivo pelo qual não é a única a ser considerada no momento de se decidir acerca dos efeitos do parentesco como pensão alimentícia ou herança.

Pelo formulário recebo várias consultas diariamente sobre pensão alimentícia. Geralmente as narrativas vêm carregadas de raiva, mágoa, inveja, ou seja, carregadas de sentimentos dos que buscam no blog uma resposta para suas dúvidas jurídicas. Normalmente não me afeto por elas, mas numa em particular, não pude deixar um certo desconforto com os fatos narrados. Na consulta, a mulher estava inconsolável pois o pai de seu filho, depois de 11 anos, resolveu fazer o exame de DNA e pedir a anulação do registro e consequentemente a devolução de tudo o que pagou ao garoto a título de pensão alimentícia.

E se o teste de DNA der negativo? Pode o pai pleitear a anulação do registro civil? Pode o pai pedir a exoneração da pensão alimentícia?

Tudo vai depender se existe a paternidade sócio-afetiva ou não. O que afinal é essa paternidade sócio-afetiva? Explico. Quando consideramos a paternidade em si o laço sanguíneo ou biológico é apenas uma das facetas do parentesco. Devemos também considerar o laço afetivo que se forma entre aquelas duas pessoas que conviveram durante tanto tempo como se filho e pai fossem. Devemos então considerar as três palavrinhas mágicas: nome, trato, fama.

O filho carregou durante anos o nome do pai de forma a construir a sua identidade? O pai cuidou da criança anos a fio como se este fosse seu filho? O círculo social ao qual pertencem aquelas determinadas pessoas as conhecem como pai e filho? Se a resposta a todas essas perguntas for SIM então pouco importa o que diz o exame de DNA.

Como bem ensina Luiz Edson Fachin:

“a verdadeira paternidade pode também não se explicar apenas na autoria genética da descendência. Pai também é aquele que se revela no comportamento cotidiano, de forma sólida e duradoura, capaz de estreitar os laços de paternidade numa relação psico-afetiva, aquele, enfim, que além de poder lhe emprestar seu nome de família, o trata verdadeiramente como seu filho perante o ambiente social” (FACHIN, Luiz Edson. Estabelecimento da Filiação e Paternidade Presumida. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1992, p. 169).


Quando então existe duas realidades distintas coexistindo, ou seja, quando o pai é pai de fato mas não biológico, cabe ao juiz optar por uma ou outra. O STJ e todos os demais tribunais do país vem dando prioridade ao critério biológico, ou seja, deu negativo o exame de DNA opta-se pela verdade biológica e o registro de nascimento é alterado, MAS FRISE-SE, somente quando a paternidade sócio-afetiva desapareceu ou nunca existiu.

Nada mais coerente. Não se pode impor os deveres de cuidado, carinho e sustento a alguém que não sendo pai biológico, também não deseja ser pai sócio-afetivo. Agora, se existe efetivamente o vínculo entre pai e filho que constroem durante anos uma relação de auxílio, respeito e amparo, não se deve desconsiderar esse vínculo afetivo em nome de um vínculo meramente sanguíneo.

No exemplo citado no início do artigo, seria justo alterar o registro dessa criança que durante 11 anos conviveu com um homem como se seu pai fosse? É justo mudar seu nome e com isso a sua própria identidade que vinha sendo construída desde o seu nascimento? É justo depois de 11 anos negar-lhe o único pai que conheceu em nome de um exame de DNA? Segundo o STJ NÃO.

Desta forma esta é a posição atual do STJ: existe vínculo afetivo? Existe no caso as três palavrinhas, nome , fama e trato? Se positivo, ignora-se o teste de DNA para fins de anular o registro civil da criança e isentar o pai dos deveres obrigacionais, entre eles o pagamento de pensão alimentícia.

Outro caso a ser considerado é aquele onde o pai, a despeito de dúvida sobre a paternidade, opta por registrar a criança. Neste caso em particular não há de se falar em anulação do registro, pois este foi voluntário e portanto é irrevogável. Pouco importa se o teste de DNA deu negativo ou positivo. Existiu um ato voluntário de registrar a criança e portanto não há de se falar em revogação. É bem diferente do caso de presunção de paternidade que se dá no casamento, onde os filhos nascidos presumem-se do pai e podem ser registrados apenas com a presença da mãe no cartório.

E naqueles casos onde não existe paternidade sócio-afetiva e nem a biológica? Qualquer paternidade é excluída e altera-se o registro para que este expresse a verdade dos fatos. Consequentemente não há de se falar em direito de herança ou pensão alimentícia.

Mas ATENÇÃO: pensão alimentícia não admite repetição. Em outras palavras, não existe esse negócio de pedir de volta o que pagou a título de pensão alimentícia, em qualquer caso.