Unilever condenada a indenizar consumidor por alergia de desodorante

Muitos internautas me perguntam pelo formulário: afinal de contas doutora o que é inversão do ônus da prova que tanto se fala em direito do consumidor? Regra: o ônus da prova cabe a quem alega, ou seja, quem trouxe o fato ao processo deverá comprovar que ele ocorreu. O ordenamento jurídico, contudo, estabeleceu algumas exceções à essa regrinha baseado na hipossuficiência de uma das partes. É o caso da Justiça do Trabalho, onde o trabalhador se isenta de comprovar fatos documentados onde a prova está nas mãos do empregador e do Direito do Consumidor, onde o CDC expressamente prevê a inversão do ônus da prova.

Nada melhor que exemplos para explicar um bicho de sete cabeças para a maioria dos consumidores: a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul condenou a Unilever Brasil Ltda. a indenizar consumidor em R$ 5 mil por apresentar lesões no corpo após uso do desodorante Rexona 24h Intensive. (Processo 70023544737 - TJRS)

O consumidor entrou na justiça pois segundo ele, após o uso do desodorante apareceram pequenos pontos vermelhos em diversas partes de seu corpo, sendo ele obrigado inclusive a buscar um Posto de Saude para ser atendido. Foram então constatadas pequenas queimaduras, provavelmente ocasionadas por produto químico da fórmula do desodorante.

Veja bem a palavra grifada: PROVAVELMENTE. O próprio desembargador Luiz Ary Vessini de Lima admitiu em seu voto que não era possível ter certeza cabal da origem das lesões, mas por se tratar de uma relação consumerista cabia ao fornecedor comprovar que não colocou um produto defeituoso no mercado.

O consumidor espertinho poderá pensar: "então ficou fácil. Vou inventar uma história qualquer, processar uma multinacional e ela que prove que eu estou errado". Vamos com calma. A inversão do ônus da prova não é AUTOMÁTICA - ela se opera ope judicis, o que quer dizer que cabe ao juiz no caso concreto determinar ou não a inversão. Ela depende de circunstâncias concretas que serão apuradas pelo juiz no contexto da facilitação da defesa dos direitos do consumidor.

No caso do consumidor que supostamente se queimou ao usar o Rexona 24h, o seu pedido foi negado em primeiro grau e somente em sede de recurso foi aplicado o artigo 6º, inciso VII do CDC que prevê a inversão do ônus da prova, obrigando a Unilever a comprovar que o produto não tinha o suposto componente químico causador das lesões.

Certa vez fui procurada por uma cliente que apresentou lesões em toda a face por utilizar um conhecido produto anti-rugas. O juiz no caso deferiu uma indenização a titulo de danos morais e danos estéticos pois foi comprovado através de laudos médicos que minha cliente apresentou uma reação alérgica a um dos componentes da fórmula. Neste caso a condenação não se baseou na inversão do ônus da prova, mas sim em outro direito básico do consumidor: direito a informação. A "bula" do produto não continha todos os componentes da fórmula e ainda não trazia em seu rótulo qualquer advertência quanto a reações alérgicas.

Há quem considere a inversão do ônus da prova um exagero: mas o próprio CDC trouxe o remédio contra eventuais abusos - o juiz tem a liberalidade de aplicar a inversão ou não. Com isso, o juiz, que tem o conhecimento do caso, é o responsável pela análise dos fatos e pela aplicação ou não do artigo 6º, inciso VII do CDC.

No caso da Unilever certamente é complicado para empresa comprovar que o produto não causou as queimaduras no consumidor. Mas cá entre nós é muito mais complicado para o consumidor, que teve inclusive que procurar socorro médico, comprovar através de laudos e perícias que o produto efetivamente lhe causou os problemas alegados. Considerando o poder econômico da Unilever e o lucro que aufere com a venda dos produtos, nada mais justo que, na dúvida, esta seja penalizada. Quem lucra, deve que arcar com os riscos da sua atividade lucrativa.