Não podemos negar que tivemos um ano muito "produtivo" na Justiça brasileira. No direito de família tivemos duas alterações expressivas além de uma decisão inédita do STJ envolvendo união homoafetiva.

Tivemos outras tantas mudanças em várias áreas do direito - pretendo falar nelas em outras postagens - mas sem dúvida as alterações no Direito de Família não apenas foram relevantes como já eram esperadas há muito tempo.

A Lei 11.698/2008 alterou profundamente o Código Civil incluindo a guarda compartilhada como a primeira opção quando não existe acordo entre os pais. Foi um verdadeiro avanço, trazendo para a legislação uma modalidade de guarda que há muito tempo já vinha sendo aplicada pelos juízes e Tribunais. A lei não apenas regulamentou a matéria mas foi além: ela estabeleceu a guarda compartilhada para casos onde NÃO houvesse acordo. Na prática ela já existia, mas apenas quando havia acordo expresso entre os pais da criança.

Claro que no Brasil nem tudo são flores. Como sempre digo, não existe problema algum com as leis brasileiras: o problema está em seus aplicadores e criadores. Onde a lei expressamente diz "em casos onde não houver acordo" a jurisprudência está insistindo em sua posição conservadora, indo contra o espírito da lei e determinando a guarda compartilhada apenas mediante acordo entre pai e mãe do menor. Trocando em miúdos: uma lei revolucionária corre sério risco de se tornar letra morta uma vez que os Tribunais continuam a julgar como vêm julgando pelos últimos dez anos.

Outro "reconhecimento" legal ocorreu com os alimentos gravídicos, que já vinham sendo estabelecidos pela jurisprudência há muito tempo. A lei 11.804/2008 veio garantir à gravida o recebimento de alimentos da pessoa que ela afirma ser o pai.

Na prática isso já ocorria: mediante prova de fortes indícios da paternidade o juiz determinava o pagamento de alimentos até o nascimento da criança. Contudo, não havia uma delimitação desses alimentos e nem tampouco o reconhecimento automático da paternidade em caso de não contestação da ação. Um tanto quanto duvidosa e exagerada essa disposição da nova lei, impondo uma "paternidade" por revelia, mas não se pode negar que houve um avanço no sentido de delimitar e determinar os limites dessa pensão: alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos.

Tanto a guarda compartilhada quanto os alimentos gravídicos não foram novidade pois já existiam na jurisprudência, o que já não se pode dizer da decisão do STJ no Recurso Especial 820475/RJ, que garantiu acesso à Justiça a um casal homossexual que teve sua ação negada pelo juiz monocrático e pelo Tribunal de Justiça do Rio.

Este casal homossexual, formado por um brasileiro e um canadense que vivem juntos há mais de 20 anos, buscou o reconhecimento da união para fins de obter visto de permanência para fixar residência no Brasil. Tanto o juiz de primeiro grau como o TJRJ negaram o pedido "matando a ação no ninho" por "impossibilidade jurídica do pedido". Para os leigos: os juizes/desembargadores sequer apreciaram o pedido por considerarem impossível o reconhecimento de união estável entre duas pessoas do mesmo sexo (falta de previsão legal).

A decisão foi reformada pelo STJ que assegurou o acesso à Justiça, o que se trata de um grande avanço e um indicativo da mudança de posicionamento dos Tribunais Superiores sobre o assunto. Não houve manifestação quanto ao mérito, mas sem dúvida se trata de uma luz no final do tunel.

Esperamos que as mudanças continuem a acontecer no próximo ano, mas acima de tudo que sejam implantadas de maneira eficaz pelos aplicadores do direito: advogados, promotores, juízes, desembargadores e ministros. Por mais legalista que eu seja, não posso negar que a lei em si não passa de um amontoado de letrinhas em um papel: quem a transforma em genuíno elemento regulador da sociedade é o julgador que assegura a sua correta aplicação e interpretação.Leis melhores, mas principalmente JULGADORES MELHORES.